22 de fev. de 2020

O Rock n`Roll é anglo-saxão ...

 ...e eu nasci na América Latina, Brasil.

Tupy or not Tupy? That is the question.

O presente texto é uma reflexão que sinto necessidade de fazer devido a inúmeras mudanças na minha percepção de mundo, que vão desde questões particulares à questões mais abrangentes como as transformações sociais que vieram com o advento da internet - e das redes sociais, em especial. Como o rock foi um fenômeno cultural importante para a minha formação pessoal e também é o tema deste blog, esta é uma reflexão que o terá como ponto de partida mas que pretende ir além, tentando agregar vários elementos que resultaram neste inesperado choque cultural, nesta sensação de um mundo que parece estar ficando para trás.

Em determinado momento pensei que esta sensação de que algo não é mais como era antes se devia à inevitável passagem dos anos e o aprendizado que isso nos traz. Ou seja, é natural mudar de opinião com o tempo. Mas, depois de outras cogitações, creio que não é apenas isso. Está ocorrendo nova mudança de época, de zeitgeist, creio que similar à grandes mudanças que já ocorreram, como na época da Revolução Industrial

Em um período mais adiante, após o fim da Segunda Guerra Mundial, as subsequentes transformações ocorridas no chamado primeiro mundo, notadamente nos EUA e Inglaterra, deram forma a um novo paradigma de ênfase à liberdade individual, uma crença renovada no Humanismo e uma série de rebeliões que tinham como utopia a realização de uma sociedade mais igualitária e justa.

Atualmente, essa noção parece estar mudando. Não se sabe ao certo para onde tudo aponta, mas a crescente disatisfação global, o reaparecimento de ondas xenófobas e racistas na Europa e nos EUA e a desestabilização política na América Latina demonstra, ao meu ver, que o mundo que conhecemos está ruindo. "♪ Meu mundo caiu....", já cantava Maysa. Passamos por um período de caos.

As redes sociais colocaram o mundo à descoberto, quebraram hierarquias, retiraram a tampa da panela e, com isso, temos uma visão em panorama da sociedade em tempo real. Além das crenças coletivas, muitas crenças pessoais foram quebradas. Vivemos uma época de desilusões.

Uma dessas desilusões, para a minha pessoa, foi em relação ao circuito cultural. Há um tempo tenho percebido um descompasso entre a sociedade de hoje e facetas da Arte Contemporânea, por exemplo. Como fui estudante de Artes, esse é um tema ao qual fico atenta. Acredito que a linguagem da Arte Contemporânea é algo ligado à tecnologia do século XX e o momento atual traz desafios inesperados que, ao meu ver, talvez não fossem o que se vislumbrava para o século XXI. Mas, este é um assunto que quero estudar mais e talvez escrever sobre em outro momento e não neste blog.

Outra desilusão cultural é sobre a cultura pop, em específico, o rock. Será que dessa vez o rock morreu? Se não morreu, com certeza envelhecido está. Fruto da época da comunicação de massa, que reunia imenso público em torno de ídolos mundiais, não é de hoje que essa configuração de grande público partilhando de um mesmo repertório se encontra em declínio e, com isso, também entrou em declínio parte do que era a "fruição" - vamos chamar assim - da audiência do rock: fazer parte de um imenso coletivo de fãs e saber-se parte desse coletivo tanto na sua realidade local, quanto de uma forma expandida, global.

No entanto, a internet trouxe uma configuração nova. Ao mesmo tempo que aproximou os quatro continentes, os dividiu. Permitiu a criação de bolhas de interesse e uma pluralidade não-hierarquizada de formas culturais, ou melhor, de produtos da indústria cultural.

Embora ainda existam hits do momento e ídolos mundiais, a diversidade de estilos e de formas de aderir a esses estilos hoje é a tônica. Mas, o interessante é que com isso também vem se quebrando aquele sentimento de pertença global. Cada vez mais as diferenças vêm marcando a diferença. E isso tem aparecido no âmbito da cultura não só como resultado da mudança nas formas de comunicação como também das mudanças econômicas e políticas mundo a fora.

Com tudo isso, acredito que o momento é o de procurar, cada um, sua própria identidade. Quais são suas raízes? De onde você veio? Como sua história individual se integra à coletiva?

No caso de um país subdesenvolvido como o Brasil, isso é bem importante. Especialmente porque, ao que parece, tal nação é o maior caso de complexo coletivo de inferioridade de que se tem notícia.  

Acho que para os nossos dias ainda valem as palavras de Oswald de Andrade, proferidas há quase 100 anos atrás: "Tupy, or not tupy that is the question".

8 de set. de 2019

Flaviola e o Bando do Sol


Poesia folk nordestina

Flaviola e o Bando do Sol (1974)

Flaviola (Flávio Lira) é um músico recifense que, em 1974, gravou um dos álbuns de rock psicodélico brasileiro que integrariam o chamado movimento udigrudi (underground) pernambucano.  Trata-se do disco Flaviola e o Bando do Sol, exemplar único, com produção e participação de Lula Côrtez e outros expoentes do período.

Calcado em uma sonoridade folk, produz uma síntese entre as influências da contracultura estadunidense e inglesa com a cultura regional do Recife. Uma alusão pode ser feita ao que foi desenvolvido pelo grupo Quinteto Armorial, sob a influência do pensamento de Ariano Suassuna, que buscou desenvolver a música erudita nordestina buscando elementos na música popular.


Apesar do nacionalismo de Suassuna ser antagônico à aberta recepção estrangeira por parte do udigrudi de Pernambuco, no disco de Flaviola encontramos uma estética que remete a um certo popular tradicional com evocações medievalistas – em grande parte por causa dos ecos do folk psicodélico inglês – que, ironicamente, aponta para um lugar similar ao que buscava o Quinteto e também a Orquestra Armorial.


Fontes



5 de nov. de 2018

Maggot Heart

City Girls - 2017

Maggot Heart é o novo projeto da guitarrista e compositora sueca Linnéa Olsson, ex The Oath. Segue a linha heavy rock com uma influência punk e pós-punk. Influência que não é não declarada, mas que podemos classificar assim devido a uma sonoridade mais direta e à temáticas mais urbanas e mais realistas sobre as agruras da vida, em detrimento ao romantismo neo-pagão que predomina em algumas vertentes do rock/heavy metal.

O primeiro EP surgiu em 2017, intitulado City Girls, onde explora tópicos como violência, busca por liberdade e como sobreviver na selva urbana, tudo em meio a um tom sombrio.

Em Julho de 2018 veio o primeiro álbum, Dusk to Dusk. O presente trabalho segue a linha do anterior, porém com um pouco mais de surrealismo e atmosfera psicológica nas letras.


Dusk to Dusk - 2018

Linnéa Olsson tem sempre afirmado em entrevistas que busca se ater mais ao meio alternativo dentro da música do que ao mainstream. Isto porque conexão e liberdade criativa são importantes para o seu processo, e também porque sente que o meio do metal se tornou muito fechado, estagnado e repetitivo como consequência. Pela alta qualidade dos dois trabalhos lançados pelo Maggot Heart, podemos afirmar que Olsson está no caminho certo.


Fontes


3 de out. de 2018

Coven, ao vivo


Sábado, dia 29 de setembro de 2018, foi o dia do público brasileiro testemunhar a volta aos palcos de uma das mais enigmáticas bandas da história do rock, que permaneceu obscura por muito tempo, a Coven. Foram uma das atrações da 12º edição do festival Setembro Negro.

Jinx Dawson, vocalista e única integrante do grupo original, apresentou em um show de cerca de 60 minutos músicas do emblemático disco Witchcraft Destroys Minds and Reaps Souls (1969), além de canções de álbuns da década de 1970 e dos trabalhos mais recentes do Coven, lançados nos últimos anos.

Uma projeção de imagens da banda mescladas à trechos de filmes antigos acompanha a apresentação, que também contém um pouco de teatro. A abertura é com a missa negra, última faixa de Witchcraft Destroys Minds...., onde Jinx Dawson surge de dentro de um caixão vestindo uma máscara de brilhantes para em seguida cantar Out of Luck, do álbum Jinx (2013). Em outro momento segura uma lamparina e uma caveira, com a qual canta The Crematory. Tudo é planejado como um agradável ritual.

O público demonstrou bastante empolgação em diversas canções de Witchcraft Destroys Minds...., muita gente sabia as letras e alguns levaram até o disco. O mais engraçado é a sensação de testemunhar a enfim revelação de um álbum clássico do rock, que ficou escondido por muito tempo.


Uma coisa a se mencionar é o efeito que provoca a audição de Witchcraft Destroys Minds... em seu conjunto. Após acompanhar letra por letra, canção por canção, chega-se a um total de uma coletânea de histórias de terror musicadas, ao estilo Edgard Alan Poe. Cada faixa tem a estrutura de um conto e fica bem perceptível a influência literária. A canção White Witch of Rosehall, por exemplo, foi baseada em uma lenda popular afro-caribenha já dramatizada pela literatura e cinema.


A nova banda que acompanha Jinx Dawson, a New Blood Coven, é composta por guitarra, baixo, bateria, teclado e percussão. A apresentação contou ainda com a música Wicked Woman, uma das mais famosas e encerrou com Blood on The Snow, do álbum homônimo de 1974.


Setlist
Intro
Out of Luck
Black Sabbath
Coven in Charing Cross
White Witch of Rose Hall
Wicked Woman
The Crematory
Choke, Thirst, Die
Black Swan
Dignataries of Hell
For Unlawful Carnal Knowledge
Epitaph
Blood on the Snow


Fonte

6 de mar. de 2018

Kadavar


A segunda turnê sul-americana do trio alemão Kadavar, que surgiu em meio à nova onda de Heavy rock nos idos de 2010, passou por São Paulo no último 03 de março. 

O show aconteceu em um espaço chamado Fabrique, no bairro da Barra Funda. Confesso que não conhecia muita coisa dos 4 álbuns do grupo (fora Eps e singles), no entanto parecia importante vê-los ao vivo, já que se tornaram um nome popular nos últimos anos. Um nome popular dentro do meio underground que se tornou o rock, - underground ou peça cult, o fato é que o rock não é mais pautado por uma gigantesca indústria de massas, como foi no passado.

Um público não numeroso, porém empolgado e uma ótima banda foi o que se presenciou. Uma experiência boa conhecer o trabalho do grupo diretamente no modo ao vivo, superou as expectativas.

O repertório foi composto por faixas dos 4 discos lançados. Distorção e uma bateria marcante são a tônica das músicas, rodas de bate-cabeça foram frequentes, coisa que não devia ter nos shows do Black Sabbath em 1970, banda esta que é uma das grandes influências do Kadavar, - outros citados são Grand Funk e MC5. Porém, assim como os veteranos, eles demonstraram boa energia ao vivo.

Em alguns momentos, efeitos e pedais são intensamente explorados e com isso conseguem criar algo que me lembrou as bandas de krautrock. Pode ser que seja outra influência ou pode ser só viagem minha mesmo. 
Mas foi das boas.


Setlist

Skeleton Blues 
Doomsday Machine 
Pale Blue Eyes 
Into the Wormhole
Die Baby Die
Living in Your Head
The Old Man
Black Sun
Forgotten Past
Purple Sage
Thousand Miles Away From Home
All Our Thoughts 
Come Back

24 de ago. de 2017

Zouzou

Zouzou "La Twisteuse"
Il Est Parti Comme Il Etait Venu (1966)


Daniéle Ciarlet, mais conhecida como Zouzou, é uma cantora, atriz e modelo francesa cuja fama se deu nos anos 1960. Ela foi um dos principais ícones da moda parisiense de então e uma das yé-yé girls.

Foi fotografada por Richard Avedon e Helmut Newton. Fez misé-en-scene com modelitos de Yves Saint-laurent e Jean-Paul Goude, que buscavam quebrar padrões na moda feminina adotando o andrógino.

Em 1966 estréia como cantora e lança o EP Il Est Parti Comme Il Etait Venu. Compôs a letra das três faixas seguintes à faixa-título. Em 1967 é lançado seu segundo trabalho contendo uma canção escrita por Donovan, Ce Samedi Soir.


Zouzou (1967)

Neste período conhece Brian Jones, com quem tem um breve relacionamento. Mais tarde, em 1972, participa de um filme de Eric Rohmer, Love in the Afternoon

A partir de então, sua carreira sofre contratempos e ela tem que parar para recuperar-se do vício em heroína. Nos anos 2000 houveram retrospectivas de sua trajetória, incluindo uma exposição no Centre Georges-Pompidou em 2004.


Fontes

10 de ago. de 2017

The Oath

Heavy Rock e Enigma
The Oath (2014)

O duo formado pela sueca Linnea Olsson (guitarra) e a alemã Johanna Sadonis (vocal) é o coração da extinta banda The Oath, que lançou apenas 1 álbum, em março de 2014, pelo selo Rise Above Records.

Fazem parte da onda occult rock que vem se desenvolvendo desde meados de 2010, movimento esse que também vem recebendo variados rótulos, não se limitando a occult rock. Cabe aí Stoner rock, Doom, Heavy Metal, Heavy Psych, Heavy rock, etc.

No caso de The Oath encontramos um heavy rock/metal simples, direto porém melodioso. As letras falam de ocultismo e de um clima de incerteza, de não pertencimento e busca por sentido.

Linnea Olsson conta a ideia do projeto, em release publicado pela Rise Above:

"Estava cansada da cena heavy metal de Estocolmo e queria experimentar algo novo, sair da zona de conforto. Isso resultou em ir para Berlin, uma cidade onde eu não tinha amigos, e explorar tudo o que faz aquele lugar ser tão mágico ... a energia criativa, o senso de liberdade e a notória, sombria e pervertida vida noturna. Tocava guitarra em casa, como de costume e riffs começaram a aparecer e a se acumular. Quando chegou o verão, senti que era hora de começar uma nova banda. Meu melhor amigo, Henke, colocou-me em contato com Johanna. Ela estava procurando uma guitarrista para uma banda que queria que se chamasse The Oath. Tivemos uma conexão instantânea. E eramos quase idênticas".




Fontes



5 de jan. de 2016

Psiglo

Ideación - !972

Este foi um grupo uruguaio que fez sucesso durante a primeira metade dos anos 1970 porém, tiveram que debandar para a Europa após o acirramento da ditadura militar no Uruguai.

Lançaram dois LP's, o primeiro em 1972 (Ideación) e o segundo em 1974 (Psiglo II), de sonoridade hard rock - progressiva. Posteriormente, em 1991, gravam seu terceiro álbum em Madrid, na Espanha, lugar para onde se decidiram mudar com exceção do baterista, Gonzalo Farrugia.

Farrugia foi um músico importante para o rock hispano-americano e partiu dele a iniciativa de criar o grupo. Em sua adolescência sonhou que fazia parte de uma banda chamada "Siglo". Um dia escreveu esse nome em um guardanapo de bar e então Jorge García Banegas, outro integrante, acrescentou a letra "P".

Além do Psiglo, Gonzalo Farrugia foi baterista do Crucis, um relevante grupo argentino que também produzia um som entre o hard rock e o progressivo. Após longa carreira entre projetos e parcerias com músicos do México, Argentina e Uruguai, infelizmente ele se suicida em Janeiro de 2009.

Psiglo II - 1974


Fontes
DelUruguay
Wikipedia
El Pais

20 de dez. de 2015

Timothy Leary: o político do êxtase - Parte 3


<segunda parte

Na década de 1960, a liberdade interna mais temida era a liberdade de explorar novos estados de consciência. Estes estados trazem abertura a novos modos comunicantes, não-lineares e não exclusivamente verbais. Isto alia-se às transformações tecnológicas que levaram à internet. Aliás, Timothy Leary posteriormente tornou-se entusiasta da Cybercultura.

A arquitetura descentralizada da internet ajuda a formar agrupações sociais também descentralizadas e a dar voz às ideologias que a defendem, sejam anarquistas, apolíticas ou neoliberais. Timothy Leary, por sua vez, era contra a divisão direita/esquerda, o que considerava uma polarização ultrapassada. O centro seria a posição mais frutífera. 

O fator de mudança preponderante para ele se situa na juventude pós-1945, acostumada desde o nascimento com o modo de percepção não-linear moldado pelas novas tecnologias da informação.

Nos anos 1960, o novo, defendido pela contracultura, era incompreendido tanto pela direita quanto pela  velha esquerda, formada por pessoas de meia-idade, acostumadas com modos de percepção lineares, cujo esquema formal de construção de mensagens ainda era o da linguagem escrita, em sua maior parte. A ascensão da imagem como importante meio de comunicação tornou a apreensão não-linear dominante.

A nova política seria centrada mais na forma do que no conteúdo, mais no impacto e na ação do que em longos discursos, como foi demonstrado pelos Yippies. A nova política deveria ser capaz de lidar com o caos ao invés de impor uma ordem.

Leary criticava o Comunismo, afirmando que é uma ideologia que vai contra a liberdade interior, mas também criticava a política de seu país com respeito a guerra às drogas, ao sistema carcerário, à tirania religiosa e, portanto, incentivava as pessoas a formarem seu próprio culto.



Em 1988, cerca de dez nos após conseguir se livrar da condenação por porte de maconha que o colocou na cadeia entre 1969 e 1976, mostra-se próximo à política mais uma vez, apoiando, o candidato republicano Ron Paul, que naquele ano concorria a Presidência pelo Partido Libertário, um partido cujo lema é unir idéias econômicas liberais com idéias de liberdade individual.

Acreditam no livre mercado, no capitalismo pós-moderno, como uma manifestação dessa arquitetura orgânica ou descentralizada (sem governo) na qual as tecnologias atualmente se baseiam. Essa crença política também é chamada de anarco-capitalismo.

A política do êxtase de Timothy Leary não é de esquerda e nem de direita, como o mesmo a define. Possui aspectos anárquicos, mas também não é anarquista. Podemos defini-la como aliada ao capitalismo pós-moderno.

É uma política a favor da total liberdade interna, mas condena o lado fraco do ser humano, o sofrimento, o fraquejo ou o medo. O prazer deve ser imediato, algo que é positivo, mas que esconde uma condição: a alienação do eterno êxtase, que podemos descrever como a alienação da sociedade do espetáculo ou o ópio do povo. 

Encerra o risco da perda de contato com a realidade social e da vontade de crítica e atuação efetiva nessa realidade, levando a crer que apenas o exílio em realidades mentais alternativas será capaz de mudar completamente a realidade concreta.





Timothy Leary: o político do êxtase - Parte 2

Timothy Leary Política do Extase
A política do êxtase é uma política do direito à liberdade interna, do direito de explorar e conhecer as potencialidades do próprio cérebro, de programar a própria mente e fugir do temido controle de manada, mas ao mesmo tempo encerra o risco de alienação individual.

A política do êxtase é a política do direito ao prazer absoluto, do direito de não sofrer ou de se recusar a sofrer, do direito à ampliação da consciência. Uma política que leva a realização final de que tudo está interligado. A globalização da mente. Uma proposta de vivência da realidade que é coletiva e individual em conjunto ainda com o virtual (aquilo que desejo), bem similar ao que temos hoje com a internet.

Timothy Leary chama o direito à liberdade interna de 5º Liberdade, termo que vem em adição às quatro liberdades proferidas em um discurso de Franklin Delano Roosevelt, uma ode à democracia e ao princípio fundante da independência dos EUA, de  apoio às liberdades individuais, à liberdade de expressão, que os tornou conhecidos como a "Land of the Free."

 A política do êxtase pressupõe constante mudança, pretende se configurar em uma organização que se baseia nas forças orgânicas do Universo ao invés de se pautar somente pela racionalidade. 

       A objetividade, racionalidade, especialização e a ciência tradicional eram vistos com desconfiança pela contracultura da década de 1960, e o rechaço desses valores é expresso também por Timothy Leary.  

A ciência para ele era fundamental, porém a visão científica em questão não é a mesma da sociedade tecnocrata, de racionalização exacerbada e desvinculada de aspectos humanistas, como é mostrado por Theodore Roszak em A Contracultura, publicado em 1969.

As concepções então valorizadas, não só por Leary como por todo o movimento que eclodia, eram a não-linearidade, a intuição e a mente não intelectiva ou irracional, a união de opostos ou visão despolarizada, que parte de uma concepção cósmica e não especializada (fragmentada) do todo, aquilo que se costuma chamar de visão holística.

Então, para que exista a liberdade interna é preciso que também exista uma espécie de flexibilidade social, que seria resultado do processo orgânico no qual se pretende que a sociedade esteja configurada. Leary explica que é necessário que haja estabilidade e expansão. A liberdade interna é uma força expansiva, pois questiona os limites coletivos, paradigmáticos. 

    A liberdade interna está relacionada com a experiência direta, que prescinde (ou busca prescindir) de intermediários, um evento muitas vezes espontâneo. A liberdade interna também está relacionada com a liberdade individual.

A política do êxtase, portanto, se dá na constante alternância entre estabilidade e expansão, por isso que podemos chamá-la de uma política orgânica, já que se enquadra num processo de constante mudança onde a nomenclatura evolução é mais adequada do que revolução

      A revolução é a substituição de um conjunto de idéias por outro, e evolução é esse processo constante, vai além de um fim exclusivo.

Timothy Leary Politics of Ecstasy

        Quanto maior a liberdade, maior a evolução social. Em uma sociedade repressiva, as forças que propulsionam são as mais coibidas. O autor de Politics of Ecstasy nos fala, se quisermos saber qual a direção tomar e onde estão os agentes evolucionários, que procuremos nas cadeias e nos grupos mais oprimidos.

Com isso, é possível estabelecer um parâmetro para saber se tal sociedade é mais ou menos evoluída através do quanto de liberdade interna ela permite. Em outras palavras, através da quantidade de forças expansivas que o todo consegue coordenar.

Para Leary, o estado de êxtase (bem estar absoluto) é o natural do ser humano e foi marginalizado pela lógica da culpa e pelo dogma monoteísta. A culpa é uma força limitadora do desejo, da auto-realização, que o êxtase preconiza.

Porém, tal utopia de liberdade absoluta é, de fato, uma ideia assustadora. O lado perverso que podemos encontrar no ideal de completa liberdade é que forças como o egoísmo e a manipulação, entre outras características negativas encontradas na psiqué humana, também são limites impostos por alguns à liberdade de outros tantos.

 O estado de êxtase também é um estado religioso, de descoberta espiritual, que foge ao monoteísmo como regra por não se prender a dogmas. Esse estado de êxtase, defendido por Timothy Leary, é uma experiência pessoal e, assim, não depende de intermediários, é uma experiência direta. A política do êxtase centra-se também nesse aspecto e apóia a experiência religiosa como uma revelação direta e pessoal ao alcance de todos.

O alcance desse estado pode se dar por práticas religiosas e também pela experiência psicodélica que, segundo ele, pode chegar a níveis profundos e levar à vivência de sensações atômicas, de sensações essenciais e limítrofes, experiência similar ao que é descrito pela ciência pós-Einstein

      Leary então dividiu e categorizou em sete níveis essa experiência (que depois elevou para oito), para assim melhor explicar a diversidade desses estados mentais que vão do mais elementar possível ao mais abrangente possível.

Ele também chamou tais níveis de questões básicas espirituais, cujas respostas, se encontradas simultaneamente, produziriam a experiência religiosa e o êxtase. A ciência também é capaz de produzir respostas para essas questões. Propôs, no fim das contas, a ligação entre a ciência e a experiência religiosa. 


Timothy Leary: o político do êxtase - Parte 1

Timothy Leary Middle Finger

      Timothy Leary, psicólogo norte-americano, é considerado o papa do LSD e um dos mentores da contracultura da década de 1960. Escreveu um livro em 1957, The Interpersonal Diagnosis of Personality, que lhe valeu o cargo de professor em Harvard.

O livro trata da busca por métodos não-hierárquicos na relação psicólogo-paciente, ênfase na experiência mútua e a procura por meios eficazes de alterar a realidade do paciente, retirando-o das estruturas mentais neuróticas. Foi considerada uma abordagem inovadora e encontra paralelo com a anti-psiquiatria de R. D. Laing.

Em Harvard, Leary formou um núcleo de pesquisas com a psilocibina, após uma experiência arrebatadora com os cogumelos mágicos no México, fungo de onde é extraída a substância. Essa experiência lhe forneceu a chave que procurava para uma eficaz transformação da realidade.

A partir de então, direciona suas investigações para a experimentação com os psicodélicos e também a divulgação dos benefícios dos mesmos, tendo como aliado nessa missão o poeta beat Allen Ginsberg. A dupla apresentou informalmente a psilocibina, a mescalina e posteriormente o LSD para muitos intelectuais e artistas dos EUA e Europa. 

O núcleo de pesquisa de Timothy Leary contava ainda com Richard Alpert, também professor de Harvard, que futuramente se tornaria RamDas, filósofo e guru.

A partir do momento em que Leary toma conhecimento do LSD, através do acadêmico inglês Michael Hollingshead, tal substância foi adotada como principal objeto de pesquisa. 

       Ao mesmo tempo, iniciavam-se as perseguições contra o seu grupo de estudos em Harvard, fruto da divulgação promovida nos meios da alta cultura e de alguns resultados satisfatórios em experimentos, que começaram a inquietar os defensores das terapias tradicionais.

Timothy Leary Millbrook Politics of Ecstasy

Em sua autobiografia, Flashbacks: surfando no caos, ele conta ainda que um dos motivos para a perseguição também era o interesse da CIA em descobrir técnicas de controle mental através de substâncias que poderiam facilitar esse controle e serem usadas como arma de guerra, com a finalidade de facilitar interrogatórios, técnicas de manipulação, ou promover a inutilização temporária (ou, em alguns casos, permanente) de tropas, pessoas, povoados.

O LSD era uma das substâncias pesquisada com esse fim em um projeto secreto (hoje não mais) chamado MKULTRA. O pano de fundo desse interesse militar em controle mental era a Guerra Fria.

Outro divulgador de psicotrópicos foi Aldous Huxley, através de seus livros As Portas da Percepção e Céu e Inferno. Porém, seu tom literário não visava o ganho de adeptos e nem possuía o fervor de um manifesto, como os textos e os discursos de Timothy Leary.

Uma das críticas recorrentes feitas a Leary é a de que a maneira messiânica com que conduzia o assunto era prejudicial à pesquisa e contribuía ainda mais com a desinformação promovida pela mídia sensacionalista.

Desde as primeiras décadas do século XX, já havia grande número de intelectuais e cientistas interessados na pesquisa de substâncias psicotrópicas. Boa parte acreditava que a divulgação em massa atrapalharia uma vivência mais consciente do impacto da experiência psicodélica dentro de uma sociedade que não estava acostumada a lidar com formas não-lineares de pensamento.

Mas, o grande sonho de Leary era justamente construir ferramentas para a alteração da realidade que fossem acessíveis a todos, de uma maneira pragmática, democrática e considerada por ele como não-elitista. Suas idéias de não-hierarquia e a busca por ampliações do modo de pensar e agir, levou-o a formular a Política do Êxtase, exposta em um de seus livros: The Politics of Ecstasy, de 1968. 


19 de out. de 2015

A Bolha

"Quando chegamos no Brasil decidimos parar de fazer covers desses caras porque vimos que não dava para fazer igual. Decidimos escrever as nossas próprias composições. Vamos seguir outro caminho."

EP (1971)

Grupo carioca formado em 1965, podem ter sua história dividida em dois momentos: pré-festival da Ilha de Wight e pós-festival, que ocorreu em 1970. Em seu início produziam versões de clássicos do rock inglês, como por exemplo Por que sou tão feio?, originalmente Get off of my cloud dos Rolling Stones e Trabalhar, conhecida como For your Love dos Yardbirds.

Um Passo A Frente (1973)

Após assistirem à grandes shows na Ilha de Wight, mudaram o foco para composições autorais. Gravaram então dois discos: Um passo a frente (1973) e É proibido Fumar (1977). Encontramos aí um misto de rock progressivo, hard rock, heavy psych e até soul e disco music no segundo álbum, de 1977. 

É merecido o destaque para as faixas Sem Nada e Os Hemadecons Cantavam em Coro Chôôôô, de 1973, também saídas em um EP entitulado A Bôlha em 1971. Do álbum É proibido Fumar o destaque vai para as faixas Deixe tudo de lado, Difícil é ser fiel e Sai do Ar.

É Proibido Fumar (1977)

Desde o início também acompanharam grandes nomes da MPB como Gal Costa, Jorge Ben Jor, Caetano Veloso e Raul Seixas. Participaram da gravação de Não pare na pista e Como vovó já dizia, de Raul Seixas. Junto com ele e com Os Mutantes, podem ser considerados o que há de melhor no rock brasileiro.


Fontes

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